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O filme da Barbie e a Psicanálise

  • Foto do escritor: Ligia Estanqueiros
    Ligia Estanqueiros
  • 25 de jul. de 2023
  • 4 min de leitura

(CONTÉM SPOILER)


O filme retrata a vida da Barbie, que vive no mundo perfeito das bonecas,

chamado Barbielândia. Neste mundo, não há imperfeições, conflitos, sentimentos ou

dificuldades. Tudo parece ideal. Sendo a Barbie, o estereótipo da perfeição. No entanto,

quando surgem sentimentos de morte, e imperfeições, a boneca passa por uma crise

existencial, acaba sendo exilada.

Ao se deparar com o mundo real, sente desconforto e angústia. Primeiro por

perceber que o mundo não é tão ideal, que há sentimentos dolorosos e difíceis.

(exemplo: a Barbie começa a chorar, algo antes nunca vivido). Além disso, enquanto na

Barbielândia ela vivia o eu ideal (Freud, 1914), ou seja, ela era investida libidinalmente

por todos dentro do seu mundo, o que a tornava perfeita e ideal, e ao se deparar com a

realidade ela percebeu que o mundo não funciona como “sua majestade o bebê” (Freud,

1914), ou seja, que no mundo real, ela é só mais uma.

Podemos olhar o filme em “camadas psíquicas”. No nível mais raso, penso que

fica nítido para o telespectador a questão do machismo/ feminismo. Na Barbielândia, a

mulher tem papel central podendo ser o que ela quiser. O Ken é visto apenas como um

acessório, podendo ter apenas importância e existir na presença da Barbie. No mundo

real, Barbie vivencia a falta de espaço das mulheres na vida comum, percebendo que é

vista como um objeto. Aprofundando um pouco esse nível, o filme traz a reflexão de

que o outro não pode existir por causa do outro. Enquanto Ken ama narcisicamente, ou

seja, ama a Barbie, porque assim, ela existindo e amando ele, ele se sente amado (Freud

1914). Barbie, no final do filme, traz a reflexão de que cada um precisa encontrar seu

propósito na vida, que não precisa ser relacionado ao outro. Ou seja, a ideia que em

última análise somos seres únicos, independentes e faltantes, e estamos em uma

constante falta- a- ser ( Lacan, 1956) e que portanto, nada nem ninguém vai nos

completar.

Em uma camada ainda rasa, o filme aponta para as questões com o ideal. Isto

fica nítido, pela forma que a protagonista é chamada de Barbie estereotipada. O ideal da beleza (magra, olho azul, e loira) que não apresenta nenhum “defeito” tanto estético,

quanto emocional. Ela é aquela “super poderosa”, que pode com um pulo voar, que

pode tomar água sem se molhar, que tem todos (outras Barbies e Kens) aos seus pés e

que não apresenta sentimentos dolorosos e difíceis e nem se questiona sobre a vida. O

filme traz a reflexão sobre como esses ideais de beleza interferem na vida das mulheres,

onde a autoestima está ligada a esse estereótipo de beleza, afinal apenas assim que é

possível ser amada. Logo, há um paradoxo importante a ser destacado, ao mesmo tempo em que o filme retrata que a Barbie é aquele ideal de que qualquer mulher pode ser o que quiser, visto que tem a Barbie presidente, Barbie sereia, Barbie advogada e etc. Como ao mesmo tempo, na vida real, cria-se a ideia de que a única forma de ser

valorizada é sendo a estereotipada.

Em uma camada não tão rasa, podemos ver o filme como a Barbielândia, o lugar

cor de rosa, o mundo perfeito, onde nada de ruim é sentido e vivido. Não há espaço para sofrimento. No entanto, quando a Barbie vai para o mundo real, ela se confronta com os sentimentos e pensamentos ruins, inclusive de morte. Podemos pensar assim, no mundo cor de rosa, como uma válvula de escape para o sofrimento psíquico, uma forma de anestesia, para não lidar com a dor. É curioso perceber como um simples tomar água na Barbielândia, é artificial, “fake”, a boneca não se molha, quando no mundo real, existe todas as dificuldades do que é Ser Humano, daquele que sofre, que sente, que se molha e precisa lidar com a castração, ou seja, com a morte.

Com isso chego à outra camada psíquica, ainda mais sutil e profunda, a questão

da morte. Barbie sai da Barbielândia, por estar se sentindo imperfeita, para buscar a

perfeição. Ao chegar no mundo real, Barbie vive um primeiro momento de crise

existencial, se deparando com a angustia de se sentir estranha em um mundo

desconhecido para ela, com pessoas desconhecidas. Logo no inicio descobre que ela é

só mais uma, que nem todos vão aplaudi-la como antes, e vive pela primeira vez o

sentimento de rejeição, quando tenta falar com uma menina que a rechaça. Na

Barbielândia ela era uma boneca, que não sentia e poderia viver para sempre no mundo artificial, pleno e eterno, onde não há nuanças, altos e baixos de emoções e onde é possível existir o “para sempre”. No mundo real, ela humana sente e percebe que o mundo não é artificial. Passar a olhar com “outros olhos” a vida, perceber a beleza em uma idosa, por exemplo, sentir o afeto da filha pela mãe, e etc. e se deparar com uma série de emoções até então desconhecidas, inclusive com a finitude, com o envelhecer e o morrer. Barbie se depara com a finitude da vida, com a castração. Isso fica evidente no final, quando ela chega ao ginecologista. Isto denota que ela é humana, ou seja, imperfeita, que precisa cuidar da saúde, que não é eterna. Portanto, no final ela decide ser humana e lidar com essas questões sobre a vida.

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