SETEMBRO AMARELO: PREVENÇÃO À SAÚDE MENTAL. SOBRE O BURNOUT
- Ligia Estanqueiros
- 11 de set. de 2023
- 7 min de leitura
SOBRE O BURNOUT
Com a correria do dia-a-dia, com as várias aulas ou reuniões marcadas, com a agenda lotada, acredito que pouco tempo sobra para olhar e pensar sobre si. Escutando muitos pacientes percebo que com a pandemia isso se intensificou, quando vida profissional e vida pessoal passaram a conviver no mesmo espaço físico. Como separar vida privada de vida pessoal se tudo acontece no mesmo espaço? como criar espaço interno para não ser “engolido” por várias aulas, por alunos querendo trocar horários e vocês por estarem tentando fazer malabarismo nas agendas e compromissos?
Isso já traz uma reflexão importante sobre o tempo. Quero começar aqui esse texto, falando sobre o tempo. Quanto tempo vocês dispõem para trabalhar? vocês já se questionaram sobre o quanto o tempo é valioso? Ter tempo para ficar deitada, ter tempo para ler um livro, ter tempo para fazer coisas obvias e simples da vida... parece simples, mas não é. Se fosse os dados da pesquisa realizada na USP em 2021 não seriam que entre 4 pessoas, 1 sofre de Burnout.
Mas o que é Burnout? Não sei se vocês já ouviram falar, mas em 2021 ela foi reconhecida como doença ocupacional segundo a OMS. também conhecida como síndrome do esgotamento profissional, é como um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico e mental. É aquela famosa angustia que só de pensar que amanhã é segunda, a pessoa passa a ter calafrio, chorar, se desesperar, será que vou dar conta? Como vai ser o dia? Quantos alunos vou dar aula? Quantas reuniões tenho marcada? A que horas vou acabar? A pessoa se sente cansada o tempo todo, não consegue produzir, apresenta falhas de memória, dificuldades com o sono, irritabilidade e mutas vezes o trabalho que era vivido como sinônimo de prazer, passa a ser fonte de sofrimento e esgotamento, levando as vezes a pessoa a querer se afastar. Então como podem perceber é uma exaustão e que em muitos momentos gera uma grande ansiedade e um desespero.
Se vocês lerem sobre o assunto, vão ver que a forma de prevenção é diminuindo o ritmo, fazer exercício físico, estar entre familiares e amigos, ou seja, de-sa-ce-le-rar. Mas se todo mundo sabe que precisa desacelerar, porque os casos só aumentam? Porque inclusive recentemente foi considerado uma doença ocupacional pela OMS?
Porque é importante falarmos sobre Limite.
Antes de entrar nas questões de limite, vou falar brevemente do por que a sociedade em parte está assim:
Historicamente havia uma glamourização do trabalho e exaustão. No discurso organizacional, o que é falado para os trabalhadores é que se você se dedicar, se empenhar, comprimir as normas e “bater” metas, você terá a ascensão na carreira. Quem nunca ouviu esse discurso?
Na busca por ser a galinha de ouro, o profissional se esforça, se dedica para alcançar o ideal e muitas vezes nem se questiona. Bom é aquele que fica até mais tarde, que dá o sangue de si para o trabalho. Com o romantismo da exaustão, muitos só foram seguindo a massa. (Algo que Freud inclusive já percebia em 1920, no texto a psicologia das massas e analise do eu, onde Freud falava do comportamento de 'rebanho' (ou 'manada'). O indivíduo, quando está sob influências de um grupo, sente, pensa e age de forma bem diferente do que se estivesse sozinho. Na massa não há questionamento, as pessoas só fazem o que o grupo está fazendo. (imitação). Então o sujeito inserido no discurso que valoriza o trabalho em termos quantitativos, mais resultados, mais horas trabalhadas e observa todos fazendo, não pode deixar de agir assim, se não ficara para traz, ou seja, se sentira um profissional menos competente na comparação com os outros e será demitido.
Claro que isso gera muita angustia, competitividade e ansiedade para estar sempre dentro das expectativas. Tudo passa a ser avaliado em números, em resultados, pouco importando o bem estar profissional. Esse profissional que está sempre correndo atras dos resultados, parece nunca conseguir alcançar o “ideal” esperado. E com isso começa o Burnout.
Na tentativa de encobrir falhas, faltas, limites que são naturais de todos nós humanos, o profissional passa a se cobrar por resultados ideais e que comprometem em muito a saúde emocional. Mas por que ainda assim esse profissional tenta “dar conta do recado?” porque em última análise é muito difícil se ver endividado, em dívida com o trabalho, e consigo mesmo, em não conseguir ter cumprido as tarefas e metas, é insuportável se dar conta da impossibilidade das coisas, quando muitas vezes é vivido como insuficiência. Ou está na onipotência do eu posso tudo ou na impotência do eu não consigo nada, os limites são vividos como limitações.
Mas para que se sentir constantemente insatisfeito consigo? Se sentindo insuficiente, seja como profissional, como pessoa? Talvez por que isso também gere uma certa gratificação e satisfação em fazer, dar o máximo de si, e se sentir poderoso e completo de ter “dado conta de tudo”, aí a glamourização do eu consegui. (onipotência, posso tudo). Afinal se eu consegui, é porque não sou tão falho, limitado e insuficiente assim... (como falei anteriormente ora impotência, ora onipotência).
Além desses pontos sobre impotência e onipotência, preciso incluir um outro ponto importante, que é poder aceitar os limites do Outro. ou seja, porque em certo sentido é insuportável lidar com as faltas e falhas dos outros, não só as suas. De que apesar de ter sido uma aula muito boa, o aluno tem mais dificuldade de acompanhar, que apesar de vocês quererem dar o melhor de si, estando sempre disponíveis para dar a aula, o aluno por diversos motivos e razoes não vai conseguir estar naquela aula, e, portanto, vai faltar, deixar vocês com um buraco, com o vazio. Ou por mais que na empresa vocês se esforcem, fique no trabalho até mais tarde, não dependem de vocês o trabalho do outro que pode ter deixado furos e falhas. Lacan, psicanalista francês já dizia que o que insuportável é a castração do outro, ou seja, de lidar com as limitações e faltas do Outro.
Mas vocês podem pensar, a Ligia eu sei disso, sei que ninguém e perfeito...vocês sabem, mas é difícil aceitar que não controlam ou que nem tudo depende de vocês, com isso passam a tentar preencher os buracos e faltas, colocando sempre a disposição ou trazendo a responsabilidade da aula para vocês, criando e inventando métodos e formas deles aprenderem melhor, só que na tentativa de estar sempre dando provas de si, mostrando que consegue, custe o que custar, o que os profissionais estão percebendo que isso traz um custo emocional muito alto.
Alguns para tentar lidar com a depressão e ansiedade que muitas vezes o Bournout pode trazer, buscam a demissão, como saída. Beyonce inclusive em 2022 lança o single “brake my soul” para falar sobre o Burnout, tentando subverter toda a lógica da glamorização do trabalho e trazendo o questionamento critico sobre a saúde emocional. Com isso começa haver o movimento de demissão em massa.
Mas entre trabalhar excessivamente, levando o corpo e mente a exaustão e/ou se demitir para conseguir sobreviver as pressões e exigências do mundo capitalista, vai uma distância.
Como então lidar como esse limite tênue entre exaustão e demissão?
Como isso retorno a ideia do limite que queria falar com vocês. Aceitar que todos nós somos ser humanos e, portanto, seres faltantes, porque não somos perfeitos e plenos é o início. Mas isso não é obvio? É sim racionalmente. Mas não emocionalmente...
É uma ferida narcísica (no nosso narcisismo, no nosso eu), entrar em contato com a ideia de que não conseguimos tudo que queremos, que aquela máximo querer é poder, não é uma verdade. Não basta estar motivado, com desejo e expectativa, somos humanos e, portanto, faltantes. Não somos completos e plenos e, portanto, não podemos nos responsabilizar por tudo e por todos. Temos faltas, falhas e limites, mas que muitos confundem com limitações ou insuficiências. E quando ocorre essa confusão, o sujeito para tentar encobrir as faltas (já que não é pleno) e falhas (por não ser perfeito) passa a tentar fazer tudo. E com isso começa o Burnout que falamos, mas também outros estados emocionais que acho importante falar aqui: como a depressão e ansiedade.
Brevemente, importante destacar que tristeza e depressão não são a mesma coisa. Ficamos tristes por um motivo. Exemplo, podemos ficar tristes porque fomos demitidos, porque o aluno saiu, por uma causa especifica. E ela tem uma duração curta e intensidade baixa, visto que a pessoa consegue ser funcional. Quando o motivo da tristeza se resolve, a pessoa fica bem. A depressão não tem uma causa especifica, ela é uma doença emocional que engloba diversos fatores e para diagnosticar devemos levar em conta a frequência e a intensidade. Ela engloba fatores genéticos, ambientais e muitas vezes é difícil o sujeito nomear o que sente. Para ser diagnosticado precisa passar por uma avaliação profissional. Tem uma duração constante, apesar de ter alguns dias que a pessoa possa ter ficado feliz, por exemplo chegou um novo aluno, mas aquele pano de fundo continua ali, mesmo tendo dias felizes e em muitos casos a intensidade é elevada, considerando que o sujeito passa a estar menos funcional, apesar de haver casos em que a depressão, o sujeito é funcional, trabalha, sorri, mas não consegue sentir e ter prazer com as coisas. Sente um vazio enorme, são os casos de suicídio.
A ansiedade ou angustia como é visto pela psicanalise é uma reação emocional normal caracterizada por sentimentos de nervosismo, tensão, medo, apreensão e preocupação. Até certo nível, a ansiedade é considerada saudável e até essencial. Entretanto, para algumas pessoas com transtornos de ansiedade, esses medos e preocupações não são temporários e pioram com o tempo, afetando consideravelmente a qualidade de vida.
Em que momento precisamos nos preocupar com os sintomas ansiosos? Quando ela estiver atrapalhando sua vida no dia-a-dia. Por exemplo, se preocupar com a semana, com a agenda e conseguir se organizar, é bom, porque você cria espaço para se organizar internamente também. Mas ela se torna ruim, quando esta ansiedade atrapalha ao realizar tarefas cotidianas, deixa aflito sobre o futuro, ou sobre o que pode dar errado no futuro, de uma forma constante, que possa impedir ou dificultar de dormir por exemplo estar com as emoções afloradas e se sentir mais irritado do que o normal, passar por constantes mudanças de humor, bem como ter ataques de euforia ou angústia, podem ser outros sinais de alerta, é momento de perceber que talvez esteja apresentando sintomas ansiosos.
Como trabalhar essas questões que possam ter surgido aqui? Como lidar com essas emoções, ansiosas ou depressivas? Para poder trabalhar isso, penso como psicanalista, na analise como meio para que o sujeito possa se escutar, olhar para dentro de si e para poder ressignificar, dando outro sentido as questões ou se posicionando de outra forma diante dos conflitos existentes. Além da analise pessoal é fundamental atividade física, Freud já dizia que o “eu” é corporal, portanto, é fundamental para a psique-soma essa relação com a atividade física. Em alguns casos é necessário também acompanhamento psiquiátrico, com o auxilio de medicações para minimizar o momento de crise.

Коментари