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UM OLHAR PSICANALÍTICO PARA O FILME A SUBSTÂNCIA

  • Foto do escritor: Ligia Estanqueiros
    Ligia Estanqueiros
  • 11 de mar.
  • 3 min de leitura

Uma psicanálise do narcisismo e do envelhecimento


Dirigido por Coralie Fargeat, o filme A Substancia destaca-se pela abordagem eficaz à sua obsessão pela juventude e ao dilema da identidade feminina numa sociedade que valoriza a aparência acima de tudo. A trama acompanha a atriz Elizabeth Sparkle (Demi Moore), de 50 anos, que experimenta um tratamento inovador que promete rejuvenescer seu corpo após ver sua carreira e autoestima despencarem com a idade. Porém, os efeitos colaterais dessa “substância” vão muito além das expectativas, levando a um verdadeiro confronto com uma versão mais jovem de si mesma, chamada Sue (Margaret Qualley).

Do ponto de vista psicanalítico podemos ver o filme como uma poderosa representação do conflito entre o ideal do eu e o eu ideal, conceitos desenvolvidos por Freud. Elisabeth encarna um ideal do eu fragilizado pelo tempo e pela exclusão social que o envelhecimento impõe, enquanto Sue simboliza o eu ideal, aquilo que ela deseja ser para continuar a ser desejada. Esse embate reflete não apenas um drama individual, mas também uma pressão cultural mais ampla, onde a mulher é reduzida ao seu valor estético e sua identidade é dissolvida, caso não corresponda a padrões inalcançáveis.

Outro aspecto fundamental é a questão do narcisismo. Elizabeth procura desesperadamente recuperar a juventude, mas se vê presa no que Freud chamou de narcisismo secundário, em que o amor próprio depende completamente do olhar dos outros. Quando a sua juventude se torna tangível na forma de Sue, esse narcisismo se volta contra ela mesma, transformando-se numa luta violenta e destrutiva. Esta dinâmica ilustra como a busca pela perfeição pode muitas vezes levar à autodestruição.

  O filme também dialoga com a dor do envelhecimento, que na psicanálise está associada à castração simbólica. Para Elizabeth, perder a juventude é perder um lugar no desejo do outro, uma experiência que gera angústia e uma tentativa desesperada de recusar essa condição. O sofrimento da protagonista se intensifica à medida que sua identidade se fragmenta, levando a momentos de profundo horror corporal, onde seu próprio corpo se torna estrangeiro para ela mesma. Essa experiência pode ser relacionada com o conceito de Unheimlich de Freud, no qual o familiar se torna assustador e perturbador.

O filme também explora a relação entre a mulher e o desejo, enfatizando como a juventude é um fator decisivo na construção do desejo na sociedade e na relação das mulheres consigo mesmas. A obsessão de Elizabeth em permanecer jovem revela um contrato perverso entre a sociedade e as mulheres: as mulheres devem permanecer atraentes a todo custo, mesmo que isso signifique apagar a sua história e a sua própria subjetividade.

Mais do que um filme de terror corporal, A Substancia é um retrato brutal e visceral de uma luta contra a passagem do tempo e a ditadura das imagens. Ele nos convida a refletir sobre nossa relação com nossas próprias reflexões e como a sociedade molda nossos valores. Finalmente, lembra-nos que a verdadeira natureza da existência está muito além das aparências.

Diante disso, podemos nos perguntar: quantas vezes nos sentimos reféns do olhar do outro? Até que ponto a busca pela aprovação social interfere em nossa relação com o próprio corpo e com nossa história?

 

Referências bibliográficas:

• Freud, S. (1914). Introdução ao narcisismo. As Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Edição Padrão Brasileira.

• Freud, S. (1919). O Estranho (Das Unheimliche). As Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Edição Padrão Brasileira.

• Freud, S. (1923). Eu e isso. As Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Edição Padrão Brasileira.

• Lacan, J. (1953-1954). Os escritos técnicos de Freud. Seminário 1. Zahar.

• Birman, J. (2001). Temas contemporâneos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

 

 

 
 
 

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